segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

No bar

Ela pediu amor
Eu trouxe
Com gelo

Amor na coxia


último baile. fantasias num palco, trapos ao chão. bastidores. lugar do primeiro
e do próximo beijo. nossas vidas se combinam neste camarim e se afastam ao
passarem ao longe da coxia. longe dos lugares marcados, dos acentos reclinados,
retornamos à indiferença. somente nos palcos sentimos a fineza do teu toque
de cetim. brutamente embotado em pigarro e lágrima, meu ar empurra teu peito.
minha perna empurra a cadeira à frente. e a tua? machucada neste
assoalho? tua pele roçando a minha me faz perguntar se estamos ou não vestidos,
se é meu o teu o colo coberto pela palma das mãos, por que não sinto frio nas costas?
será isto o amor? como saber? seremos em pouco tempo de novo meros amigos.
no momento presente, respiro teu ar. e isso basta. para saber, ao menos um pouco,
quem sou. wagner lopes pires

sábado, 5 de janeiro de 2013

Espelho, espelho meu.


Às vezes desconfio de minha cara no espelho, então refaço algumas autodeclarações, a fim de não ser confundido, aliciado:  sou protestante, anarquista, futebolista, amigo de raras mulheres, gosto de praia, vivo na Grande São Paulo, tive amigos na Postu*, não persigo protestantes, não quero nada com animais domésticos, embora já me encantara por bruxas. Durmo no chão. Não vou a marcha de sem camisas, nem defendo nenhum lado em conversas que não me chamem para entrar. Meu país tem vocação para colônia de férias racista, mas eu sou contra. Sou pardo na polícia, preto para muitos, e prefiro ser eu mesmo. Num país racista, sou negro, índio, filho de alguma coisa. Num país desconcertado diante de seu espelho (não somos eu?!?!?!?).
Por nem mesmo saber quem sou, defendo o direito de todos serem o que forem, principalmente não sendo fascistas. Penso mesmo que só o racismo, o fascismo e a exploração podem sustentar a mentira neste país de analfabetos, neste país de violências, de cópias mal-feitas de super-heróis das histórias em quadrinhos ou subprodutos do cinema B.
Por isso me oponho ao analfabetismo - não à cultura oral, que é outra história - e à falta de informação, e àqueles que subvertem o texto informativo tornando-o manifesto de suas vaidades. Amo o jornalismo sobre muitas das artes. Exceto a dança e as várias músicas que, como primatas, criamos.
Minha pátria pode ser a língua inglesa, a italiana, a portuguesa, tanto faz. Falamos latim, e Camões é brasileiro.
Amo viver no país onde nasci. Detesto injeções. Não uso - voluntariamente - drogas. Não cuido das vidas dos outros. Sou um tanto desinteressado.
Amo meu país. Mas envergonho-me de suas discussões contra os direitos humanos. E de suas políticas à base de trocas. E de desviarem dinheiro da educação para fazerem qualquer outro uso, público ou privado. E de suas pessoas vivendo à margem de córregos. Favelas e condomínios à margem dos córregos, porque não aprendemos a preservar as águas.
Sou índio.
Não gosto de pássaros. Gosto de comer. De correr. E de jogar bola. Também gosto de ver amigos. De conversar, falar, escutar, ficar olhando as caras deles. Gosto de poesia. Herdei de meu pai o gosto de viagens. E uma pilha de livros e discos.
Gosto de informar. E de ver televisão.
Desenho animado, para mim, pode ser minha imagem projetada na parede da caverna. Quadrinhos, meus desenhos primitivos voltando à vida, à visão.
Gosto de amar, e de andar, e de falar, e de ficar quieto, de vez em quando. E sou feliz por estar vivo, e feliz por ter conhecido pessoas que admiro, e feliz porque respiro.
A literatura me emprestou os marxismos e a representação das mulheres. As mulheres me deram tudo.
A cada dia, durmo. É tudo.


(Na Postu* citação de Vladímir Maiakovski, mencionando amigos na agência cultural)