quarta-feira, 19 de junho de 2013

A voz das ruas: faces do hoje, faces do amanhã enfrentam os restos do ontem

Não me resta a menor dúvida de que os movimentos de preenchimento das ruas são pacíficos em sua maioria, e de que o tumulto acontece quando se encontra um mar de desejo contra os tubos de esgoto da repressão, tentativa armada de conter o que é justo e por isso mesmo inevitável.

As bombas são o vocabulário da desordem. Afora o ódio, como se a cada manifestação do desejo de viver fosse necessário responder com um desejo de vingança contra tudo o que respira. Pelo simples motivo de que as múmias ainda celebradas não vivem, não respiram, não desejam. E é necessário defender o seu Império. Antes que se devaneie demais, expliquemos que as múmias são os restos de um império da tristeza e da vergonha que se abateu por tempo demais sobre o planeta.

Durante muito tempo o que era incapaz de suportar o livre e o novo ocupou as ruas para manter o passado, fez trincheira, tocaia e barricada, descrevendo no horizonte a feia foto de si mesmo, intacto e tanto quanto possível ativo. Assim a cidade se faz a imagem do caos. Bandeirantes preadores de índios, de pretos, de pobres, vigilantes odiando a classe operária e média e todos os aliados da chusma espumam em seu ódio.

E sua espuma é gás para causar a dor, sua saliva é a bomba de borracha, spray e mentiras. Assim se pode reproduzir até um suposto infinito a história de indiozinhos inocentes, negrinhos trabalhadores e imigrantes baderneiros, que "ficaram na memória". A república dos fidalgos propõe a repetição da exploração e constrói a sua máquina de fabricar tristeza.

Ouvindo o que dizem nas ruas, compreende-se que não se trata de ódio, e sim de desejo, o que impulsiona o movimento das multidões. Que antes de ver no agente da repressão o inimigo, é preciso ver a repressão como inimiga. Antes de reconhecer no governo a função de manutenção da desordem humana e da má distribuição de renda, é preciso não imitar a sua tirania. E, por isso, ministros dizem não entender o que se ouve alto e em bom tom. E os porta-vozes do recesso preferem falar de latas de lixo.

Daqui, posso ouvir que sim, é preciso amar e lutar pela libertação de toda a humanidade, em toda parte. É preciso ter em si um ethos de paz, e não da paz do opressor. Não a paranóica paz do que rouba, do que oprime, porque este terá que fazer e enviar suas armas, para garantirem-lhe o sono. E, como algumas vozes nos lembram, é preciso amar, mas desta vez, como se fosse possível o amanhã.

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