quarta-feira, 26 de junho de 2013

Não esqueceria aquele rosto

Ela tinha um rosto que eu não poderia lembrar
Nem com todas as coca-colas que tomo,
Nem pixando paredes, nem limpando a mente,
Quase dormindo em posição de lótus
Sobre o tapete da sala, nem distraído no banho,
Nem deitado no sofá
E ainda menos olhando a minha cara no espelho.
Eu não me lembraria dela quando reparasse
Os ângulos das pessoas e das casas
Olhando triste pelo vidro do trem
Nem quando sentisse o cheiro de pipoca,
De feijão ou de sorvete no McDonald’s
Do Centro, atrás da Galeria do Rock,
Nem quando algo em meu rosto apertasse
As glândulas para expor as lágrimas
Como água suja correndo nas calçadas
Eu não me lembraria dela nem que me dessem
Tempo ou muito dinheiro ou uma oferta de emprego
Nem que me pagassem para assistir a um filme
De arte nas tardes de domingo,
Solidário, egoísta e apaixonado
Eu não lembraria sua voz, seu rosto,
As marcas de suas costas, suas mãos
Suadas e apertadas com força sob as minhas
Nem gotas de suor que minavam em seu rosto
Nem o seu inconfundível hálito depois de amar
Não poderia, por ser impossível, lembrar-me
Do que sou, e só o sou em você,
Porque parte de mim está aqui
E outra procura por nós, em mim

terça-feira, 25 de junho de 2013

Meu partido - ao Rogério

"Meu partido (I)" - ao Rogério Britto

Eu faço parte de um partido em mil pedaços
Mil anseios em estilhaços
Meu partido vagabundo
Não quer mais que mudar seu mundo
Meu partido
Não quer voto, a não ser de amizade
Não quer adepto, nem bandeira
Nem cuidar da vida alheia
Recusa-se à negociação
Ao acordo e à coleira
Meu partido vai às ruas
Sabendo-se usuário, nunca o dono
Do pedaço – público – que ocupa
Desconfia de bicho e de gente
Do que voa, ama ou bate
Meu partido, só, sem aliado,
Desconfia até da lembrança
Que preserva de si mesmo
Cartesiano, latino-americano e
Semianalfabeto, só lê
Gibi e poema concreto, canção de vaqueiro
E neologismos
Se diz apatriado, recolhe dos países
A língua materna, permeia
As fronteiras
Do sonho e enriquece
De amigos e histórias
Meu partido não faz propaganda
É a avó da Carmen Miranda
Dadá puro, baile punk e forró
Em festa na floresta tropical
Meu partido não se envolve
Não promove falcatrua
Não acusa, não ataca, nem recua
Fica sempre na sua, na mesma,
Toda vez e sempre
E diferente de Pessoa, não ser eu
não é suficiente
para ser todos,
mas para desconfiar
de toda a gente

(Wagner Pires)

quarta-feira, 19 de junho de 2013

A voz das ruas: faces do hoje, faces do amanhã enfrentam os restos do ontem

Não me resta a menor dúvida de que os movimentos de preenchimento das ruas são pacíficos em sua maioria, e de que o tumulto acontece quando se encontra um mar de desejo contra os tubos de esgoto da repressão, tentativa armada de conter o que é justo e por isso mesmo inevitável.

As bombas são o vocabulário da desordem. Afora o ódio, como se a cada manifestação do desejo de viver fosse necessário responder com um desejo de vingança contra tudo o que respira. Pelo simples motivo de que as múmias ainda celebradas não vivem, não respiram, não desejam. E é necessário defender o seu Império. Antes que se devaneie demais, expliquemos que as múmias são os restos de um império da tristeza e da vergonha que se abateu por tempo demais sobre o planeta.

Durante muito tempo o que era incapaz de suportar o livre e o novo ocupou as ruas para manter o passado, fez trincheira, tocaia e barricada, descrevendo no horizonte a feia foto de si mesmo, intacto e tanto quanto possível ativo. Assim a cidade se faz a imagem do caos. Bandeirantes preadores de índios, de pretos, de pobres, vigilantes odiando a classe operária e média e todos os aliados da chusma espumam em seu ódio.

E sua espuma é gás para causar a dor, sua saliva é a bomba de borracha, spray e mentiras. Assim se pode reproduzir até um suposto infinito a história de indiozinhos inocentes, negrinhos trabalhadores e imigrantes baderneiros, que "ficaram na memória". A república dos fidalgos propõe a repetição da exploração e constrói a sua máquina de fabricar tristeza.

Ouvindo o que dizem nas ruas, compreende-se que não se trata de ódio, e sim de desejo, o que impulsiona o movimento das multidões. Que antes de ver no agente da repressão o inimigo, é preciso ver a repressão como inimiga. Antes de reconhecer no governo a função de manutenção da desordem humana e da má distribuição de renda, é preciso não imitar a sua tirania. E, por isso, ministros dizem não entender o que se ouve alto e em bom tom. E os porta-vozes do recesso preferem falar de latas de lixo.

Daqui, posso ouvir que sim, é preciso amar e lutar pela libertação de toda a humanidade, em toda parte. É preciso ter em si um ethos de paz, e não da paz do opressor. Não a paranóica paz do que rouba, do que oprime, porque este terá que fazer e enviar suas armas, para garantirem-lhe o sono. E, como algumas vozes nos lembram, é preciso amar, mas desta vez, como se fosse possível o amanhã.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Muchacha punk, passeata, SP, 2013

Ela dança, com suas flores
na avenida, com suas tranças
revoltas, sobre os cacos
de vidro na calçada

Ela dança, não sei se punk,
social ou etérea, concreta
e surreal com seus coturnos
em nada militares

Ela dança, com seus lábios
rosados, seus olhos pintados
de alegria

Ela dança, e me convida

sábado, 15 de junho de 2013

Amor em Passeatas

Então foi dito que o amor é ouro, prata, violeta
De outono em canção violenta, desesperada
Foi dito que amor queima e arde, mas sem
Que se possa ver. O meu arde depois de feito,
Queima enquanto toca, prende-me o ar,
Tira-me o fôlego e segura o ruído, o grito
Do meu amor é um rio que corre pra dentro
Do peito, e força passagem como mil
Passeatas, corisca-me os olhos, muda de cor
O ambiente, e ruboriza as veias, artérias,
Ou foge, estudante disperso por bombas
De calor, pressiona buscando
Caminhos em todos os sentidos,
Torturado apenas pela espera
E sabemos que nós dois conhecemos
Por onde precisa correr, o meu amor,
Freudiano ou drummondiano, quem sabe,
Percorre avenidas por mil e mil cidades
E só se acalma em você, reivindicação
Do meu movimento, única causa,
Desejo de amar, de novo e de novo,
Na viva calma dos corpos, suados,
Aninhados em seus parceiros
Únicos companheiros, reunidos,
Individuados, completamente livres
Afinal. O teu amor é a bandeira
Com a qual prenuncio os dias vindouros

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Hoje, aqui.

É preciso confessar minha tendência ao devaneio
Ao exercício da associação espontânea, à enumeração
Caótica de fragmentos, de afetos, memória
De lugares, de cenas, pessoas, objetos postos à margem
É preciso admitir minha coleção de fantasmas
De ossos, assombrações embaixo das camas,
Admitir que não uso camas, não me penteio,
Não passo embaixo de escadas,
Não suporto certos perfumes, e não costumo me barbear,
Embora escove muito os dentes e tome banho
Várias vezes por dia.
É bom lembrar que ainda revivo o dia em que assisti
a um jogo pela TV após chegar de um rodeio
E Walter Casagrande Jr. e Biro-biro
Mostraram a um garoto o que é DEMOCRACIA.
É preciso admitir tendência ao vício
De ficar à noite na rua procurando
Alguém ou o hábito de não voltar para casa
Depois de encontrar.
É preciso aceitar que estraguei meu dedo
E quase minha mão tentando destruir brinquedos
Só para não ter que emprestar a ninguém.
É preciso admitir que me desfiz das cartas
que escrevemos quando estávamos juntos.
É que eu não via sentido ou espaço onde deixar.
É preciso confessar que quase magoei
A coluna de meus amigos pulando em suas costas.
É preciso admitir que quase arruinei
Os estudos de minha mãe.
Que sonhei com cenas terríveis, talvez naufrágios.
Eu, marinheiro, pescador, arruinando navios.
Admito, com vontade de falar alto,
Que li “O Alienista” na fila do emprego.
É absolutamente necessário falar que Éder
É quem tratou bem minha família e que portanto
Ele tem acesso a toda a casa e mesmo aos corações,
Todo o direito anarquista de considerar-se parte disso.
E que Nelson também, e portanto também.
E que minha mãe conhece
Bicelli, que comeu macarrão em nossa casa.
É preciso falar que Douglas e eu desrespeitamos bêbados
Mas nunca desrespeitamos as meninas de madrugada.
E não é preciso falar de amadas,
Senão de Wanderléa, no Municipal,
De Ângela, no Gil, de Andreia em tudo que aconteceu.
De minha parceira de strip-poker nas manhãs de feriados.
E de minha agente secreta sem roupa, num bar
De rock na rua Padre Celestino.
É absolutamente importante lembrar que Ana
Muitas vezes se despe no espelho de minha casa.
Ou nas páginas de seu diário.
É apenas irremediavelmente necessário andar de bicicleta
Com J. Roberto na descida da Augusta, cada um pedalando de um lado.
É necessário ver meninas nascerem, meninas parirem, cantarem
Uma nova canção que escrevi.
É irremediável aceitar o convite de Kléber
Para voltar a Cananeia, onde escrevi o nome dela,
Em tinta de areia e pele.
Onde não tem lugar pra passar a noite.
E somos chamados para as festas.
É simplesmente necessário cantar
Nelson, Luciano, Rogério, Morales,
Willer, Vinicius Gonçalves e de Moraes.
Ouvir Rosane, Iládio e Henrique, Murilo Mendes
Na madrugada, deitar entre os latidos de meu cachorro
E os sorrisos da minha namorada.
É necessário expor poemas no salão, escrevê-los
Em camisetas, grudá-los nos muros
Onde os casais se conheçam, fazer novos musicais
Inspirado em HQs, máquinas retificadoras e Beatles.
É preciso ler, ver, ouvir Lourdes recitar Torquato
Ou Leminski de madrugada, Lilia Loman para a chuva,
E minha amiga Picoli para a pedra molhada, em Ibiúna.
Poemas concretos ou surreais para a casa abandonada na fazenda.
É preciso, antes de tudo, amar Castelo Hanssen.
É preciso admirar, desejar, querer, e muito, e bem, ao tango argentino
De minhas namoradas passadas, todas reunidas no silêncio de Ana.
No seu corpo suado de jogadora de vôlei, que somente ela tem
Aquele cheiro.
E que jogador de capoeira nenhum, lutador de boxe, tem coragem
De amar como se deve, à maneira de um leão, ou macaco ou
Elefante, à maneira de um bêbado, de um nascer
Do sol na Praça da República, em um apartamento da Ipiranga
Ou por trás de uma montanha de cobertores e copos
Espalhados pelo quarto, vibrando ecoando nossa risada.
Assim a vida se descobre sonho.
Pois não dançamos poemas neste pedaço latino-americano
Do planeta? Assim percorro, estrangeiro e só,
Por essas alamedas de memórias e sonhos.


(Wagner Lopes Pires)

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Lista de leitura para estas férias

Jorge Amado, Graciliano Ramos, Oswald de Andrade, João Guimarães Rosa, Antonio Candido, Ignácio de Loyola Brandão, Clarice Lispector, Josué de Castro, Darcy Ribeiro, Rosa Luxemburg, Henry David Thoreau, Errico Malatesta, Friedrich Engels, Karl Marx, Friedrich Nietzsche, Ariano Suassuna, Lima Barreto, João Antonio, Antonio Callado, Raduan Nassar, Raymundo Faoro, Jean-Paul Sartre, William Shakespeare, Matsuo Bashô, Claudio Willer, Roberto Piva, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes, Plinio Marcos, Freud, Reich, Alexander Lowen, Ezra Pound, João Cabral de Melo Neto, Walter Benjamin, Paulo Leminski, Torquato Netto, Honoré de Balzac, Fernando Pessoa, Federico Garcia Lorca, Nelson Novaes Rodrigues, Jorge Mautner, Barão de Itararé, Pablo Neruda, Bertolt Brecht, Eurípedes, Sófocles, Aristófanes, Platão, Aristóteles, Stanislavski, Rabelais, Allen Ginsberg, Luís de Camões, Carlos Drummond de Andrade, Augusto de Campos, Haroldo de Campos, Velimir Khlebnikov, Arthur Rimbaud, Conde de Lautréamont, Vladimir Maiakovski, Walt Whitman, William Blake, Miguel de Cervantes, Gregory Corso, García Marquez, Jorge de Lima, Mário de Andrade, Mário Faustino, Antonin Artaud, Mário Vargas Llosa, Charles Baudelaire, Júlio Cortazar, William Burroughs, Adam Smith, Reinaldo Moraes, José Lezama Lima, Stanislaw Ponte Preta, Jerzy Grotowski, João Ubaldo Ribeiro e Roberto Bicelli.